Em época de Pandemia e Crise Econômica no Brasil, dúvidas estão surgindo sobre como serão as decisões no judiciário em termos de resolução de contrato e revisão contratual, especificamente em situações de extrema relevância como acontece com os contratos de aluguel e de crédito imobiliário.
Anteriormente a esta Pandemia nossos Juízes e Desembargadores não aceitavam a revisão contratual ou eventual resolução sob a alegação de perda do poder econômico, como queda de renda ou desemprego, justamente porque essa situação não estava atrelada a relação contratual em si, ou seja, era algo externo a relação e com isso os consumidores precisavam demonstrar com veemência questões que feriam legalmente os contratos para obter tal direito.
Com a chegada da Pandemia e por se tratar de uma situação nova e antes nunca vivida, sequer esperada por todos, não conseguiremos ainda precisar quais serão os impactos e os setores mais afetados, mas teremos que ter muito claro os conceitos jurídicos que irão nortear eventuais decisões judiciais sobre determinados temas, justamente para não afetar severamente a economia do País, sem qualquer chance de reversão.
Muitos falam da utilização de 3 conceitos / cenários jurídicos para justificar eventuais pedidos no judiciário, como por exemplo, evento de força maior ou caso fortuito, excessiva onerosidade e por último desequilíbrio patrimonial, cujas características serão a frente delineadas.
O Código Civil diz que o caso fortuito ou de força maior existe quando uma determinada ação gera consequências, efeitos imprevisíveis, impossíveis de evitar ou impedir:
Caso fortuito + Força maior = Fato/Ocorrência imprevisível ou difícil de prever que gera um ou mais efeitos/consequências inevitáveis.
Me parece que a Pandemia se encaixa perfeitamente na definição acima e à título de exemplo podemos citar a obrigatoriedade de fechamento dos shopping center ou eventual cancelamento de shows por uma decisão determinada pela imprevisibilidade.
No tocante a onerosidade excessiva é um estado contratual que ocorre quando acontecimentos supervenientes, extraordinários e imprevisíveis provoquem mudanças na situação refletindo diretamente sobre a prestação devida, tornando assim excessivamente onerosa para o devedor, enquanto a outra parte obtém benefício exagerado. Algumas teorias explicam o instituto, porém, é possível apontar duas teorias como as que mais profundamente fundamentam a revisão judicial dos contratos, pois essas são as que mais se destacam. São elas a Teoria da Imprevisão e a Teoria da Base do Negócio Jurídico.
De acordo com a teoria da imprevisão, a onerosidade excessiva caracteriza-se diante da ocorrência de fato superveniente à celebração do contrato, imprevisível e extraordinário para as partes, tornando a obrigação extremamente onerosa para uma delas ao mesmo tempo em que há um ganho exagerado para a outra. A teoria da onerosidade excessiva nos contratos é encontrada nos artigos 478 a 480 do vigente Código Civil.
E como mencionei acima podemos citar como exemplo aquele fornecedor que fez um contrato de longo prazo com determinada pessoa e por conta da Pandemia os insumos dobraram de preço e com isso os valores acordados serão efetivamente insuficientes para cumprir com a relação, autorizando que este solicite a revisão ou resolução do contrato.
E por último temos o instituto do desequilíbrio contratual que na verdade é a Pandemia atingindo o sujeito da relação e não a relação contratual diretamente.
Todos esses conceitos provavelmente serão tratados por nosso Judiciário justamente para não ocorrer a quebra de inúmeros contratos, até porque a Lei não determina que as pessoas parem de pagar seus contratos por conta da Pandemia e sim que haja um equilíbrio contratual afim de não onerar apenas uma parte.
Em continuidade ao tema aqui trazido e para fins de clarear ainda mais as dúvidas suscitadas em diferentes fóruns jurídicos, temos também as Incorporações Imobiliárias sendo afetadas pela Pandemia de forma indireta com a dificuldade de obtenção de insumos, deslocamento de funcionários e uma centena de outras situações, com isso as Incorporadoras podem desistir de dar continuidade ao empreendimento? Pela Lei das Incorporações as Incorporadoras teriam os primeiros 06 meses para avaliar o mercado e decidir pela continuidade, mas entendo que não poderiam alegar a desistência do negócio após os 06 meses por conta da Pandemia.
Outra situação e dúvida existente é quanto ao prazo de entrega da obra por parte das Incorporadoras, ou seja, é sabido que por Lei (13786) podem atrasar a entrega em até 06 meses, mas com a Pandemia poderão invocar caso fortuito ou força maior pela teoria da imprevisibilidade? Creio que nosso Judiciário irá avaliar e delimitar prazos de entrega além dos 06 meses, justamente para não ocorrer eventuais quebras e para manter o equilíbrio contratual, mas se ultrapassarem o novo prazo sofrerão as penalidades existente em contrato, fazendo valer o princípio pacta sunt servanda.
E quanto aos adquirentes em época de Pandemia já estão vendo uma movimentação forte no mercado, principalmente pelos Bancos Públicos quanto a prorrogação de parcelas, situações que deverão ser tratadas com cautela afim de se evitar um colapso na economia.
Por fim e não menos importante, temos os contratos de aluguel, que vem trazendo inúmeras dúvidas e muitas discussões jurídicas a respeito e no meu entender venho tecer minha percepção a respeito.
Uma situação direta e que vai elucidar muitas dúvidas são em relação aos donos de lojas de shopping e demais comerciantes que se viram obrigados a fechar as portas por uma determinação dos nossos Governadores em decorrência da Pandemia e com isso tiveram o faturamento reduzido a zero, portanto poderão não pagar o aluguel? Certo que deixar de pagar aluguel não será uma decisão concedida pela maior parte dos Locadores e muito menos pelos operadores do direito em nosso Judiciário, porque se assim fosse tal determinação deveria valer para todos os contratos, como escolas, condomínio, seguro saúde e prestações fixas existentes, fazendo com que a economia do País sucumbisse efetivamente, mas sim poderá haver a resolução do contrato sem o pagamento de qualquer multa, já que houve alteração da base objetiva do negócio, além disso e como um segundo ponto poderá existir eventual revisão contratual, com isenção, prorrogação ou desconto, para que haja o equilíbrio contratual e para que as partes possam dividir os prejuízos de forma igualitária.
Entendo também que as partes, nesse contexto, não poderão alegar caso fortuito ou força maior, já que pagar aluguel é obrigação dar, dar dinheiro e o fato do comercio estar fechado não impede tal pagamento, já que a posse do imóvel foi concedida pelo Locador.
Outra questão corriqueira que chega no escritório são dúvidas em relação ao pagamento de multas pelo não pagamento do aluguel sob a alegação de Pandemia, responsabilidade do fiador e seguro fiança e no tocante ao pagamento de multa entendo que nosso Judiciário optará pela obrigatoriedade no pagamento, já que nunca na história deste País se aceitou o desemprego como regra para descumprir contratos, nem mesmo nas antigas crises existentes.
Quanto ao fiador, havendo apenas a prorrogação do contrato ou um desconto de 20 a 30% para se pagar meses após, este será responsável pela diferença, sem eventuais acréscimos existentes.
Ademais em relação ao seguro fiança, havendo prorrogação do pagamento do aluguel após o vencimento do prazo de validade do seguro, infelizmente o Locador ficará sem garantia e deverá adotar as providências necessárias para se resguardar de eventual inadimplemento.
Diante de todo o exposto, concluo o pensamento pedindo que evitemos a moratória geral, porque se ninguém pagar nada será o fim da economia do País e será o fim das relações jurídicas contratuais.
Autor: Sylvio Augusto Silva Junior – Sócio-Diretor do Escritório Araujo & Augusto Advogados e Associados